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Quando ninguém tem ou todos têm razão

Há conflitos em que ninguém tem razão ou, se quiserem, todos têm.

É o que está acontecendo com o Judiciário e seu órgão máximo administrativo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Uma coisa é certa: todos os Poderes de Estado e todas as instituições públicas, na democracia, devem ser fiscalizados. Por isso é que o CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça estão certos em implementar a mais séria e permanente fiscalização do Judiciário. Os juízes de direito, os funcionários públicos em geral, os desembargadores, os ministros de Estado, deputados e senadores, todos estão obrigados a prestar à sociedade, de quem são simples servidores, contas de suas atividades e do dinheiro público.

Antever, nessa missão, intromissão indevida na autonomia administrativa do Judiciário, é, com todo o respeito, assumir posição retrógrada e conservadora, e desprezar os princípios da república e da democracia.

O CNJ nasceu para exercer a fiscalização do Judiciário e, principalmente, para conceber um planejamento estratégico, moldando as linhas mestras da administração desse Poder. Trabalhar no atacado e não no simples varejo é a missão do Conselho.

Todavia, pela nossa experiência de 40 anos na magistratura paulista e mais dois anos e meio convocado no Superior Tribunal de Justiça, podemos afirmar que os juízes de primeiro grau, em todo o País, são muito bem fiscalizados pelas Corregedorias locais. Aqui em São Paulo, participando do Órgão Especial, pudemos observar o rigor com que a nossa Corregedoria Geral da Justiça fiscaliza os magistrados, propondo abertura de procedimentos administrativos. E o Órgão Especial não se constrange em investigar, processar e punir juízes que pratiquem desvios de conduta.

As cúpulas dos tribunais federais e estaduais, porém, precisam ser fiscalizadas. De há muito tenho escrito a respeito, porquanto, de fato, é difícil um desembargador punir outro desembargador. E, nesse ponto, a atuação do CNJ é indispensável. A existência desse órgão já se justificaria só por essa tarefa. Mas dar estrutura orgânica ao Judiciário é, igualmente, função relevante e a isso deve o CNJ lançar-se com grande disposição e inteligência.

É preciso que fique muito claro: os magistrados não aceitam corrupção no seio da instituição e a desejam limpa, sem máculas. Aliás, o nível de corrupção, no Judiciário, é baixo, em nosso País, semelhante aos índices de outros países de primeiro mundo. Basta observar que, no Brasil, há aproximadamente 15.000 magistrados e podemos asseverar que, se houver índice de corrupção, não chega a 1% , pois certamente não haverá 150 juízes corruptos desse universo de 15.000 magistrados! Pelo menos, o número dado pelo CNJ está muito longe disso.

Por outro lado, não há lei que discipline o CNJ. Ele se autodisciplinou por meio de seu Regimento Interno e aguarda-se há mais de sete anos o Estatuto da Magistratura, que deverá regulamentar em definitivo aquele órgão. Tal situação enseja a que o CNJ desborde, às vezes, de suas atribuições e, nesse ponto, em sua primeira composição, tivemos intensos embates com o Conselho, quando exercíamos a presidência do Tribunal de Justiça paulista. Compreendíamos, contudo, a situação: era natural que os Conselheiros buscassem a autoafirmação daquele órgão, recém-criado.

E, agora, não podemos deixar de reconhecer, de um lado, os méritos do CNJ, mas, impossível não observar que uma das características do magistrado é a serenidade, aliada à prudência de suas manifestações.

Tudo que o CNJ fez para moralizar o Judiciário poderia ser feito com menos estrépito. Toda vez que se generaliza, como a referência a “bandidos de toga”, embora se reconheça a intenção de apenas corrigir, chega-se próximo a grandes injustiças, esquecendo-se todos de que a maciça maioria dos magistrados são pessoas idôneas e dedicadas ao trabalho, buscando, à exaustão, derrubar as pilhas e pilhas de processos para despacho e sentença.

Pior é que, com as notícias às vezes verdadeiras, mas acompanhadas das condenáveis generalizações tão comuns, a sugerir inferências de condutas desviadas, certos segmentos da imprensa, nem sempre comprometidos com a verdade, contribuem para esse furdúncio, como diria Mário de Andrade, e enfurece a sociedade, que acaba por condenar os juízes.

O grande compromisso ético da imprensa, um dos pilares da democracia, é reproduzir verdades, e não apenas meias-verdades, como não raro acontece, na aflição de publicar um “furo” de reportagem.

Em suma, o CNJ está forrado de razão, os juízes também e a imprensa, igualmente, todos a necessitar de urgentes aperfeiçoamentos.

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